quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

Sobre histórias tristes que precisam ser contadas


"Antes de você começar a entrevista, ela quer te falar uma coisa", traduziu a interprete que está me ajudando na pesquisa, do Swahili pro Inglês. "Claro, pode falar!" - incentivei, quase pressentindo o que viria depois. E após algumas frases em Swahili, vindas de uma mulher de aparência jovem, mas cansada, abatida, veio a tradução: "ela gostaria que você pudesse dar um aconselhamento pra ela se sentir melhor, porque ela está muito deprimida, não tem vontade de fazer nada quando está em casa... Durante a guerra no Congo foi violentada por vários homens, e quando tentou resistir eles bateram muito nela com cinto, e ela ficou com graves problemas nas costas e nas pernas por causa disso. Agora, sempre que ela sente dores nas pernas e nas costas, ela lembra dos ataques. Os militares explodiram a casa dela e o pai e dois irmãos morreram nessa guerra. A mãe e um irmão ainda estão lá, e a guerra está para piorar, mas ela não tem dinheiro pra trazê-los pro Quênia, e isso é uma das coisas que a está mais angustiando neste momento. Às vezes, ela tem pesadelos com os ataques que sofreu, com a guerra no Congo, então acorda e sai correndo pelo meio da rua. Ela tem 6 filhos, e os mais velhos ainda lembram do que passaram no Congo, então quando veem policiais ou guardas armados por aqui, sentem muito medo, pois acham que podem ser atacados a qualquer momento..."
E foi assim que começou a primeira entrevista da minha pesquisa com os refugiados aqui em Nairóbi. É claro que não tive nenhum conselho pra dar. É claro que não tem nada que eu pudesse dizer pra amenizar o sofrimento daquela mulher. O que fiz, foi acolhimento, foi entender melhor o que aconteceu, sugerir que ela buscasse tratamento pro seu corpo, para talvez assim, amenizar as lembranças e marcas do passado. Não fiz muito.. Na verdade não fiz nada.. Terminei a entrevista me sentindo impotente, mas com vontade de voltar, formada, pra tratar de verdade essas pessoas. Mesmo assim, ela me agradeceu. Talvez porque vim de outro continente para ouvi-la, porque fiquei quase três horas ouvindo-a, sem julgar, e tentando achar pequenas soluções, tentando usar um pouquinho da teoria que aprendi, pra abrandar essa dor tão real. Na minha humilde opinião, tem muita culpa também. Tudo isso que tá rolando no Facebook sobre abuso contra a mulher, desmistificação de que o assédio é assentido pelas mulheres, também se aplica com essas. Expliquei isso pra ela, que a culpa de tudo isso não é dela, nem desses homens que fizeram isso, mas de toda a sociedade que continua cultivando isso. Ela concordou. Mesmo assim, isso não muda nada. Não diminui sua aflição, não apaga seu passado, não reverte fatos. É angustiante não ter o que fazer, além de acolher. 
Ela foi só a primeira, mas todos os outros relatos que vieram depois, foram tão pesados quanto. Eles se abrem, com a esperança de que isso vá ajudar. Que publicar suas memórias irá sensibilizar as pessoas, e que essas pessoas possam, talvez, mudar alguma coisa, e talvez, um dia, conseguiremos acabar com essa guerras que acabam com sonhos, destroem planos de vida e vidas.

2 comentários:

Unknown disse...

Muito triste esse depoimento ,espero que Deus em sua infinita bondade console e ajude esta mulher e sua família a ter esperanças e uma vida digna e melhor.

Unknown disse...

Muito triste esse depoimento ,espero que Deus em sua infinita bondade console e ajude esta mulher e sua família a ter esperanças e uma vida digna e melhor.